Diversos espiões russos estão utilizando o Brasil como forma de 'treinamento' e construção da identidade para conseguir realizar trabalhos mais avançando de espionagem em outros locais, como Estados Unidos, Europa ou Oriente Médio. A informação foi divulgada em uma reportagem pelo jornal americano The New York Times.
De acordo com o texto, eles chegam ao Brasil e buscam uma identidade para construir uma vida normal e impossível de ser reconhecida. A reportagem cita o caso de Artem Shmyrev, que possuía uma empresa de impressão 3D e dividida um apartamento de luxo com a namorada no Rio de Janeiro. Além disso, tinha um nome 'brasileiro': Gerhard Daniel Campos Wittich, cidadão do país com 34 anos.
O objetivo dele, e de outros, era construir realmente uma vida plausível no Brasil. Ou seja, ter relacionamentos, comprar casas, consolidar empresas, ter uma vida normal, para poder dar base a saída do país posteriormente.
No entanto, os espiões tem tido uma dificuldade cada vez maior nos últimos anos já que começou uma investigação por parte da Polícia Federal brasileira de forma silenciosa. É a mesma unidade, aliás, que investigou a tentativa de golpe envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro e de aliados.
Até agora, os investigadores já localizaram nove policiais russos com identidade brasileira, segundo documentos e entrevistas. Desses dois foram presos, alguns retornaram para a Rússia e outros, já descobertos, podem não conseguir mais deixar o país e nem atuar no exterior.
Seis nunca foram identificados publicamente até agora. A investigação já teve envolvimento de pelo menos oito países, segundo o NYT.
Como as investigações iniciaram
Segundo o jornal, tudo começou em abril de 2022, pouco antes do início da guerra na Ucrânia. Naquele mês, a CIA enviou uma mensagem à PF dizendo que um oficial disfarçado do serviço de inteligência militar da Rússia apareceu recentemente na Holanda para fazer estágio no Tribunal Penal Internacional.
Qual a relação do Brasil com a história? Ele tinha um passaporte do país com o nome de Victor Muller Ferreira. Havia, aliás, até se formado na Universidade Johns Hopkins com esse nome. Mas o nome verdadeiro era Sergey Cherkasov e, após ter a entrada negada na Holanda, estaria retornando para São Paulo.
O problema é que, sem muitas provas, não havia como o prender. Após uma forte vigilância por dias, eles o prenderam com um mandato de uso de documentos falsos. O problema é que ele insistiu que era brasileiro e mostrou documentos que pareciam bem reais para comprovar isso, inclusive título de eleitor e cumprimento do serviço militar.
Os agentes procuraram então a certidão de nascimento e não encontraram nada. Apesar de possuir o documento, não havia registro nenhum dentro dos arquivos brasileiros. O documento indicava que Victor Muller Ferreira havia nascido no Rio de Janeiro em 1989, filho de mãe brasileira, pessoa real que faleceu quatro anos depois. O problema é que os investigadores descobriram que a mulher nunca teve filhos e o pai não tinha nenhum registro.
Através desse caso, a PF começou a analisar diversos documentos de identidade e mais arquivos que pudessem gerar identificação, porém que não eram feitas diretamente pelos bancos de dados brasileiros. Parte disso precisou, inclusive, ser realizado a mão.
As investigações apontaram alguns nomes, como de Yekaterina Leonidovna Danilova, Vladimir Aleksandrovich Danilov, Olga Igorevna Tyutereva, Aleksandr Andreyevich Utekhin, Irina Alekseyevna Antonova e Roman Olegovich Koval. Outros ainda são desconhecidos.
Para tentar impedir entradas e saídas dentro do Brasil e ajudar a um monitoramento internacional, a Polícia Federal ainda enviou uma mensagem para a Interpol repassando todas as informações.
Por que o Brasil foi escolhido?
Não há uma resposta clara, porém o país era um lugar bom por conta da facilidade do passaporte brasileiro de permitir viagens a boa parte dos países do mundo, além de ser extremamente multiétnico, o que permitia que muitos ficassem 'perdidos' na multidão.
Além disso, há questões específicas, como o fato de facilitar certidões emitidas em áreas rurais, sem a necessidade de uma verificação médica ou do hospital.